Como dormiram?

Como dormiram, depois de tanto buzinar, os que gostaram do resultado?
Como dormiu o eleito? Surpreso? Tranquilo? Com medo? Usando colete à prova de balas, protegido? Feliz?
Como dormiram os brancos e nulos, que não querendo contribuir com ninguém, contribuíram com a eleição de um alguém que, bom, eu nem quero relembrar o que já foi dito e repetido, arrependidos? Felizes? Com medo?
Como dormiram as mulheres que se amam? Depois de chorar no ombro de amigas porque têm medo. Embrulhadas por bandeiras chamadas de sagradas, como piada, com todas as cores.
Ninguém solta a mão de ninguém. É hora de espalhar amor. Estamos juntos, nós que estamos com medo.
Como dormiram as mães? Tranquilas? Felizes?
Como dormiram as avós? Conservadoras, afastadas de alguns netos desgarrados?
Como dormiram as tias? Ao lado de boçais?
Como dormiram os professores? Tristes? Cansados? Com medo?
Como dormiram os índios? Na rede? Mais tranquilos? Com mais medo?
Como dormiram os que dormem na rua? Drogados? Amortecidos.
Como dormiu o pobre da periferia? Com medo?
Como dormiu o povo do campo, com mais silêncio?
E o outro, que alguns chamarão de derrotado - e estarão certos, neste momento, pelo aspecto semântico, tão somente - mas que eu recuso a reconhecer como o menor do pleito. Como será que ele dormiu? Nos braços de uma esposa por ele respeitada? Com amor de filhos queridos? Dormiu como nossos pais? Vozes espalhadas se uniram no dia anterior e juntaram forças.
Foram dormir depois de entoar canções de luta, juntos, gente jovem reunida: a lembrança que mais dói na parede da memória.
Foram sentir o calor da rua e voltaram aquecidos. Foram dormir felizes, mas com medo.
No dia seguinte deitaram-se abalados. Cansados. Com medo. Enfaixando e tampando com band-aids feridas recentes, abertas. A garganta conseguiu cantar o canto de luta triste, cansado, choroso, com medo.
Dormimos, aqui, desejando que o dia se repetisse e ainda tivéssemos a chance. Torcendo para que o problema não passasse de um sonho ruim ou de um filme triste. Um filme de terror que nos dá medo. Mas nossas esperanças, já diminuídas, são novamente frustradas ao raiar do amanhã, que sempre é outro dia. Sua chegada não apaga o que foi feito no anterior.
Fomos dormir com medo e, para meu pesar, não acordamos como pássaros que cantam tranquilamente, como se nada os abatesse.
Ah, imagine ser um pássaro... Como dormem eles?
Como dormiram policiais? Como dormiram torturadores? Dormiram os torturados?
Um amigo chorou até dormir. Com medo. Por que ama um homem?
Ninguém solta a mão de ninguém. É hora de espalhar amor. Estamos juntos, nós que estamos com medo.
Como dormirão, daqui pra frente, os resistentes? Tranquilos? Felizes? Com medo?

Não será fácil ser resistência, nunca foi fácil ser resistência, mas será preciso.
E se aguentarem mais uma dose de esperança, confiem.
Vai ser alimento da alma.

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