rede

I
esses dias eu acordei
sem lembrar da pandemia
parecia um dia normal
de um fim de semana normal
que eu estou na casa dos meus pais
vamos almoçar com a vó
ver a nati e a clarice

mas não dá pra esquecer
e nem dá pra ver com abraços
só pelo celular

esses dias eu fui dormir cansada
de rolar a página e encontrar notícia ruim
mortos por dia, por hora
covas coletivas
[ não que eu pessoalmente me importe
com o que será do meu corpo
depois da minha morte ]
mas é triste
machuca

e eu não quero morrer agora
ainda me faltam palavras
ainda me faltam amores
pra viver em linhas
quebradas
ainda me faltam afagos no cabelo enquanto eu tomo chá
é assim que eu imagino [ o nosso amor tranquilo ]
nosso romance existindo em palavras
porque por aqui tudo pode

II
e o meu pai
que chega em casa dizendo
que todos os casais querem se separar
mas você não vai acreditar
ele não quer

eu não quero
eu quero amar
palavrear mais um vez
em versos livres [ esqueçam a teoria literária ]
em versos romanescos
librianos e libidinosos
um amor que só existe aqui

(
eu tenho saudade
de quando não tinha isso
essa preocupação
essas máscaras
de quando eu não precisava
sentir tanta saudade
)

III
eu vou esquecer
eu vou fingir que já fui pra austrália
e já vivi o que queria
eu vou fingir que você é meu último romance
meu frejat e meu cazuza
minha cássia e minha ana
e assim eu acabo já que
está tarde e eu quero te assumir

*
vamos acordar qualquer dia
e esquecer que tem pandemia
tomar chá, deitar na rede
terminar esse escrito estranho
eu não consigo
socorro
morro contigo
viramos terra

Comentários

Postagens mais visitadas