Campo minado

Não dá. Tem momentos em que simplesmente é impossível prever onde está o perigo. Achei e identifiquei exatas noventa e oito bombas, cheguei no final com dois quadradinhos e a última poderia estar em qualquer um deles. Perdi. Perdi quando comecei a jogar e perdi de novo quando terminei. Meus braços estão descansados de escrever e apagar o quadro, então gasto-os com ratos de computador e famílias de zeros e uns. Já morro de medo do túnel do carpo pois só desligo quando chega a doer, mas me falta cabeça pra outras coisas. Eu olho se os pedaços de planta que eu separei já criam raízes. Eu ajudo minha avó e minha mãe e me rio quando nos vejo brigando como três pedaços de uma mesma história: começo, meio e fim. Eu danço com o meu pai, eu leio, eu brinco com as cachorras e coloco as duas pra dentro quando gritam pro vizinho. Eu deito na rede, eu tomo café, eu ouço passarinhos e eu vejo borboletas pousando em folhas no quintal. O tempo demora a passar. Meu livro é de absurdos seguidos de absurdos, que nem parecem mais tão absurdos e se parecem demais com a vida. Kafka, veja só: os terríveis humanos estão todos detidos em casa, saindo para buscar comida e nada mais, mas preocupados com seus empregos. É claro que alguns absurdos ainda acontecem, como pessoas saindo para cuidar de outras, para limpar o chão, para recolher o lixo ou para nos vender o alimento que queremos. Pensei em algumas perguntas para essa detenção. É possível viver sem algo que nos tire da realidade? Quanto você se importa realmente com os trabalhadores informais? Todas as coisas que você dizia não fazer porque faltava tempo, agora que tem tempo de sobra, está fazendo? Quantos tratamentos estéticos você faz porque quer e quantos faz porque acha que deve? Você está pronto pra morrer? Rodeado de plástico. Sem ar, de tanto poluir. Enterrado porque não sabe plantar. No fogo cruzado da guerra entre potências. Será que a arte vai chorar a morte do homem?

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