cor de filha


Eu nasci filha. Sou a primogênita, não nasci irmã. Fui a primeira a desalojar, com vida, o ventre da minha mãe. O signo da minha mãe é de terra. A gente gosta de jardinagem. Eu tenho um vasinho com manjericão. Tá nascendo uma mudinha nova e eu já me sinto cheia de responsabilidade. Eu não nasci mãe. Eu nasci com os atributos necessários para que me designassem uma menina. Mais tarde, mulher. Eu não nasci amiga, mas eu nasci sobrinha, prima. Eu nasci neta, bis, tatara. Eu não nasci avó, mas uma vó diz que eu sou a cara da outra. Eu não fui o primeiro bebê das minhas avós, mas fui dos meus pais. Minha irmã foi o segundo deles e o meu primeiro. Eu não nasci amante, eu só nasci amada. Recebi vários presentes e de futuros, uma quantidade assombrosa. As estrelas, como um liga-pontos, escrevem somente o passado. A Lua passa, como o tempo. Se a minha demora a chegar ou se, por acaso, eu dou alguma respirada em que destaco a capacidade do meu abdome, eu penso no que seria do ser humano que tivesse ali habitado, no poder que me seria conferido no singelo ato de decidir seu nome. É seu título, seu estribilho. Não sei se nasci afilhada, mas com certeza não nasci madrinha. Tantas são as mulheres às quais dedicaria meus livros caso isso lhes valesse de alguma coisa. Costureiras de histórias, mulheres cujo sangue timidamente sai de meus dedos quando, num impulso masoquista ou por pura falta de atenção, eu os machuco. Eu fiz café, você quer?

Comentários

  1. Eu nasci primeiro irma, depois tia e mais tarde mãe. Agora vovó. Amo cada um desses seres maravilhosos.

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas