Sacerdotisa,

Estou medindo as minhas palavras para te escrever. Gostaria de começar dizendo que é uma pena que eu já estava casada quando me apaixonei por você. Essa frase já ronda a minha mente faz algum tempo - mais precisamente desde que me apaixonei por você - mas ela não pode vir sem explicações. Estou muito bem casada, obrigada. É verdade que a traição deve ser uma experiência memorável e adrenalínica, se você me permitir a invenção de palavras, mas por agora ela não me seduz. Fato também é que não posso prometer a ninguém que manterei essa ideia para sempre, mas isso não vem ao caso. Aceitas minha paixão absurda e impraticável?
É madrugada e eu não consigo dormir. Entorpeci-me demais e começou a chover. Já chovem quatro noites seguidas e eu não contei nenhuma delas. Ponho-me a pensar que o texto que estou compondo é sensível demais para ser publicado e amado demais para ser escondido. Torço ainda para que seja bonito o suficiente para ser perdoado. Ah, se meu marido descobre...
Continua me amando, como você continua. A gente se entende. Afinal não se pode matar romances que nem sequer nasceram. Ai ai, quantos títulos bons eu já gastei com moleques que eu não amei nem quase o tanto que eu te amo. E você nem conhece o meu quarto, conhece? O armário onde guardo os remédios, a pilha crescente de livros, a mesa que uso para ler suas cartas de maneira ritualística... Como elas chegam até mim sem manchas de café ou de vinho? Ou sou só eu que não as vejo? Meus olhos me enganam. É doença deles ou da cabeça minha.
Despedir-me é o mais trabalhoso. Sinto saudades suas e confesso que há um lado bom em não precisar escrever isso em cartas para o meu marido. Melhor ainda é que nem mesmo todas as invenções de comunicações, de todo o mundo e de todos os tempos, seriam capazes de tornar as cartas de amor obsoletas. Escrevo porque necessito e te envio porque sou dengosa. Faz frio aqui mas não há razão para se preocupar, meu amor já me aquece.
Envio, com a carta, o postal que estava te devendo. Está um tanto gasto mas espero que goste.
Não se atreva a me responder se for para contar desgraças.

Com todo o meu zelo,
Nossa Senhora do Desterro.

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