Na frente da igreja.


Um casal se namora na frente da igreja. O entregador de pizza ficou preso dentro do prédio. O cobrador vai estudar educação física. Todos os dias essa cidade recebe a mesma água de cinco da tarde, mas ela nunca me atinge. A professora de português lê um livro no ônibus. Sentei do lado dela e começamos a discutir a origem do mundo. Uma pessoa aprende o que é um soneto. Ela quer aprender a ler. Falamos da importância da narrativa mas eu queria mesmo era saber dos estilhaços. Quanta coisa que eu passo que nem faz sentido pra eles. Um dia o menino gostou de resolver uma questão. Ele precisa de atenção, esse menino. Seu pai é surdo e seu irmão foi preso. A professora me chamou pelo nome. Ela sentiu minha falta. Não vai pra rua, moleque, vai pra escola. O pé de abóbora lá de casa vai dar umas abóboras baitonas, mas a mãe não quer que o pé suba as escadas. Todo dia essas escadas. Tirei uma foto de uma rosa mas queria era aquele momento. Não fiz a tarefa porque não deu. Eu precisava me afogar um pouco. Eu tinha que desaparecer na fumaça. Você disse que meus olhos parecem verdes em dias ensolarados e que, em dias ensolarados, você prefere olhos verdes. Foi encontrado um livro de poesias. Uma senhora foi perdida, morta em seu apartamento. Passou pelo planeta e deixou uma amiga triste pela sua ausência. Nunca recebeu carinho, e a gente não pode dar o que não recebe. Os óculos do menino quebraram. Pai brigou com a mãe. E agora, professora? Não fiz a tarefa porque não fiz. Todo dia, às cinco da tarde, chove nessa cidade. Os pingos não me atingem. Meu corpo me ultrapassa.
Na frente da igreja, um casal se namora. Eu e você nem existimos nesse mundo. A menina para e olha a borboleta. A natureza faz arco-íris no céu. Essa noite eu viro lobisomem. Noite passada você me fez chá. Depois do verão, você cuida de mim? Deseje, meu amor. Esse é meu desejo porque eu faço e é gostoso demais. Eu quero com olhos, com mãos, com boca, com sexo e suspiros. É porque você é sanguínea igual à sua mãe, isso sim. Vai fazer as unhas e cortar o cabelo na lua minguante. Escuta música em francês com seu amor, que é o que de melhor existe.
Dentro de um carro cinza, um casal se namora. Logo na frente da igreja. Reparei nas tatuagens de um braço. Coloca a mão no meu pescoço e me deixa em estilhaços. São as águas de outra cidade que não me atingem, aqui eu carrego um guarda-chuva.

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