Rua Borboletas Psicodélicas, 29 de fevereiro de 2016



Era o fim de verão mais quente que eu passei naquela cidade. Pelo menos entre os verões da minha memória. Sensação térmica batendo nos quarenta graus. O meu singelo ventilador já estava cansado de tanto trabalhar naquela estação. Na verdade, eu também.
Voltava pra casa escutando alguma rádio, que tocava alguma música, que fazia algum sucesso, mas que eu não dava a mínima atenção. Eu não escutava, de fato. Apenas deixava que aquela estação preenchesse o vazio sonoro com o qual eu só consigo lidar quando estou a escrever. Eu prestava atenção mesmo era nos detalhes da vista. Como alguém que gosta de escrever, de vez em quando eu escrevo com a luz e acabo gostando do resultado. Quando sem câmera, eu apenas observo. Depois tento relembrar a imagem. Então lá estava eu. Imóvel. Na esquina. Olhando. Eu usava as mãos para proteger os olhos do Sol daquele dia. E que dia ensolarado!
Olhei com atenção para tentar fotografar na minha mente a imagem que via. Depois disso, já no primeiro passo, com a visão ainda meio abalada pela luz do Sol, esbarrei num sorriso de saia. Ela me perguntou se eu estava bem. Eu estava. Perguntou-me se o meu projeto de queda era um novo passo de dança. Foi incêndio tal qual aquele na Estação da Luz e no Museu da Língua Portuguesa. Essa língua, que comigo é tão materna a ponto de me oferecer o ombro para escutar os meus devaneios, as minhas mentiras e os meus quase-poemas. Quando sem papel e caneta, eu apenas amo. Depois tento relembrar a poesia. Aquela saia, convidando-me para dançar no primeiro esbarrão, certamente merecia algumas palavras.
Naquele dia, a língua portuguesa recebeu mais uma carta de amor. Ainda na dúvida, arranquei uma folha de um caderno velho e escrevi no topo os dizeres "Rua Borboletas Psicodélicas, 29 de fevereiro de 2016". A imagem da placa dessa rua é uma das que tenho reveladas na memória. Eu estava longe daquela rua, tão somente usei o nome porque achei propício, mas escrevi, sim, naquela data. Não foi sem resistência, pois, afinal, eu não gosto de escrever em fevereiro. Onde já se viu um mês que, a cada quatro anos, te dá um dia a mais? Um dia a mais pra dançar, pra gozar, pra chorar, pra sorrir, pra dormir, pra beber. Pra escrever. Um dia a mais pra sentir saudade. Um dia a mais pra viver. Um dia a mais pra morrer de amor.

Peguei a foto da página Minha Vida em WordArt porque sim, eu adoro essa zoeira.
Esse texto tem um irmão e ele tá aqui: Ora, pois.

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