Minha amor.

Em homenagem ao conto Sexa, escrito por um Luiz da minha vida, que na verdade é Luis, aquele tal de Veríssimo, nomeio-te Minha amor.
Minha amor, para que você seja um conto ou uma prosa sem gênero. No máximo, gênero textual, se você sentir que se encaixa em algum. Se não, tudo bem também.

- Nossa, que salto, não conseguiria andar usando isso.
- HAHAHA você não é mulher, então.
- Não sou mesmo, já fiz um teste, meu cérebro é masculino em sua maior parte.

Assim foram feitos dois julgamentos errados, acho que posso dizer. Mulheres usam salto. Todas, sem exceção. E homens têm a maior parte do cérebro "masculina". Que que significa isso mesmo?

Filho, antes de mamãe nascer, o médico que cuidava do pré-natal falava que mamãe era um menino. Mamãe não queria abrir as pernas para o médico olhar, então ele dizia:
- Ah, o batimento cardíaco é de um menino.
E a sua bisavó dizia:
- Olha o tipo dessa barriga, é um menino, com certeza.
Por isso todas as roupas que compraram para mim eram amarelinhas. Porque se fossem rosa e eu nascesse menino, não poderia usar. E se fossem azuis e eu fosse menina, Deus o livre! Perdão, errei: Deus a livre!

Então mamãe nasceu assim. Menina. Que tem TPM. Que tem suas frescuras que não abre mão. Gosta de cabelo, maquiagem, roupa, fofoca e novela. Menina, que foi ensinada desde pequena a se preservar. Ser moça de família. Ser difícil. Suas descobertas foram podadas pela sociedade. Seus desejos, sua liberdade. Seu prazer.
Menina, que usava roupa de princesa e adorava. Princesa, que só esperava o príncipe.
Menina, que sempre achou que deveria ser magra, alta, peituda. Deveria alisar o cabelo e deixá-lo crescer. Que demorou uma cara para aceitar, se é que de fato aceitou, que seu cabelo é lindo, que seus peitos são um arraso e que celulite nenhuma é capaz de deixá-la feia.
Menina, que brincou de boneca quando queria jogar bola. Que mal vê a hora de chegar em casa para abrir esse maldito sutiã que a espreme toda. E que, lá no fundo, nem quer deixar a unha crescer.

Também menina, mulher, trabalhadora. Minha mãe, minha filha, minha irmã, minha menina. Minha, só minha e não de quem quiser. Menina política, antenada. Feminista.

Menina que gosta de meninas. E que também gosta de meninos. Que gosta de pessoas que gostem de outras pessoas. Que gosta de amor. Sem gênero, sem artigo

Sua mãe, querido, é menina de cabelo curto, que já teve a atitude de agarrar o boy que queria sem choro e nem vela.

- Oi, sou uma menina e já faz dois anos que eu não agarro ninguém.
Todos:
- Oi, menina.

Menina, que nunca vai poder escrever sobre como é nascer menino. Só sabe eles são meio parecidos com as meninas, igual preto e branco. E que ninguém é de ninguém. Mesmo você, que era meu texto, já não é mais minha.

Eu sou sua menina, viu. E ele é o meu rapaz. Ou ela é minha menina. Sei lá. Vai saber.

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