lê-se

agenda-se. paga-se. caso esqueça-se, paga-se com juros sobre juros. controla-se a semana e o horário e os ônibus. e os tempos e as férias e volta-se pra casa sempre podendo viajar-se. desculpem-se-me, mais uma vez, eu só posso escrever quando volto-me pro amor. eu quero escrever sobre como é difícil viver-se sendo professora e sentindo o mal na pele. a sociedade apodrece e nota-se, mas o que se há de fazer? e eu ainda sou cheia de privilégios, veja só, o tempo que eu fiquei olhando a cachorra brincar e pedindo pastel pro meu amor e ouvindo os músicos de feira espetacularem-se, o homem negro que vende pinturas na frente do banco ficou ali, vendendo. pintando. sabe-se lá quanto vendeu. sabe-se lá quanto ele ganha e o calor que ele passou na necessidade. quando a minha sorte se liquidifica e chega perto dos canais lacrimais pra sair de meu corpo, volta um impulso que aperta-me os ombros para que as mãos escrevam. escrevam palavras e frases e verdades. eu não posso fazer greve porque um único dia miserável descontado no meu contracheque já é um prejuízo miserável no meu bolso. o pior é pensar em quem tá pior do que eu e em quem tá melhor, no poder, rindo da gente. das formigas. ah, como seria bom não se preocupar com deus dinheiro e medo de ser descoberta. eu sou professora. ah, e eu escrevo. eu tenho vícios e virtudes eventuais e insônias e eu amo. eu amo de cabeça e eu amo de palavra e eu amo de vida. os militares que andaram de ônibus terça-feira sem pagar treinavam ontem com armas na mão e hoje cantavam o hino em posição de sentido. escola não é pra qualquer um, não, e a gente precisa saber a nossa preciosidade. a insistência nesse trabalho é preciosa, merece mais valor. sou eu que vou pra guerra e o acordeonista fica na praça ou em outro continente e eu preciso dizer que até pouco qualquer barbudinho de bike me lembrava você. não era pra ser assim, mas foi-se.

quando nada mais quer escrever-se, lê-se. julga-se mas o julgamento não cabe. não sabe. acaba-se.

Comentários

  1. Nós precisamos saber da nossa preciosidade sim, mas a sociedade também precisa entender isso.

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