universo


não estou ainda no horário daqui, eu minto, por isso vou dormir tarde. não é a saudade da casa e não tem absolutamente nada a ver com os poderes de sedução da noite. tantas noites estive fora, mal cinco noites atrás eu estava do outro lado do mundo assistindo artistas de lá ou me apaixonando a distância por conterrâneos daqui - numa definição com o raio razoavelmente grande, porque quando se vai para o outro lado do mundo se vê que o mundo todo é casa, mas pode fazer bem querer garantir algo de casa - ou de casal, se me permitir - para que o deslocamento não seja tão brutal. uma cerveja depois do trabalho ou antes de ir para a cama já une alguns humanos. uma vontade de conversar. um jantar porque você não pode ficar sem comer (sorte não precisar) e uma série de coincidências que me levaram a encontrá-lo. sorte. sorte poder assistir espetáculo numa casa de ópera que você queria tanto ver faz tanto tempo. tempo. a gente planeja e a gente bota margem e ele sempre nos surpreende. não por seus caprichos, não faz qualquer extravagância. a gente é que nutre impressões de que ele - agora - passa tão rápido mas ele passa conforme tem que passar e depois do domingo vem a segunda e começando um novo mês, tem mais conta pra pagar. isso a gente que inventa. tempo surpreende justamente pela constância, pela rotina. uma noite é uma noite e o sentido é sempre pra frente e o melhor que a gente pode fazer é deixar alguma coisa que tenha algum valor no futuro. algo que valha sobreviver e é por isso que mesmo dando uma canseira danada a gente ainda vai em museu. a gente vai ver arte. a gente quer ser arte pelo instinto de sobrevivência, pelo medo da morte.
atravessei o maior oceano do planeta e voltei. eu só pensava na minha sorte e privilégio e trabalho e sonhos e arte.
não estou no fuso daqui ainda e muito menos estava em algum relógio dentro do avião, numa terra só de ar e sem horário, só com tempo. por isso que minhas pescadas durante a travessia vinham acompanhadas de flashes e de visões - eu até chamaria de alucinações com licença poética - e por isso eu acordei e levei um tempo para perceber onde estava, quando já estava em casa.
ai o meu corpinho, ai a minha cabeça e ai a minha juventude.
universo. se eu fosse escolher uma palavra pra falar da viagem, seria universo. há de se confiar. quanta coisa boa ele faz por mim. medo do mundo é normal e medo da vida é a própria vida. medo do tempo, da mente, medo do espaço vazio. medo de esquecer. medo de ficar pra trás. por isso a gente faz a nossa arte do jeito que dá e depois a gente aprecia e vale a pena.

eu sentei no banco para maldizer o tempo que não pára nem por cinco míseros minutos pra eu fumar um cigarro e curtir a vista. eu não tinha cigarro, só tinha máquina fotográfica e maldição. fiz o melhor que pude.

cara, que viagem.

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