hoje eu gritei com joão vitor

o caso do pouco de vinho que ainda tem na geladeira se repete. hoje eu não gritei com ninguém, até porque os únicos seres vivos que eu vi até agora foram plantas e formigas e eu não tenho motivo algum pra gritar com elas. também não sei se tenho motivo pra gritar com joão vitor. com certeza hoje não tenho. é sábado, dia merecido de uma folga da escola, tanto pra ele quanto pra mim. eu não sei o que ele faz nos finais de semana, se ele tem comida boa pra comer, se ele já procura o que os adultos chamam de drogas pra esquecer tudo que a professora de matemática faz ele passar. eu só sei o que ele faz no pouco tempo que o encontro, duas vezes por semana, isso quando ele não mata a aula. conversa, brinca, dá risada. é claro, é uma criança. travessa. e quando eu conto pra outra criança que o joão vitor saiu da sala com o caderno de uma menina e começou a correr pela escola, ela dá risada. porque é engraçado, imagine. pense em todas as crianças mais novas que já estão no recreio. o caos já está instaurado. é natural, é energia, mas é muita goela e cansa quem não tem mais esse pique todo. daí no meio disso tudo corre o joão vitor com o caderno da mariana. a mariana sai pra correr atrás dele e a professora fica na porta com cara de tacho e os demais alunos sem saber direito o que acontece. depois me perguntam por que o joão fez isso e eu respondo que ele quer atenção e assim acaba recebendo gritos. porque é normal que a professora fique pistola. como seria bom dar risada de tudo e entender ao mesmo tempo essa autoridade que eu ganhei parece que do nada. eu sei que não foi do nada, foi de formação e concurso. assim que chamam uma provinha que faz uma imensa diferença na vida das pessoas. e a gente passa pra gritar com o joão vitor. eu sou mesmo uma bruxa. uma medusa enfeitiçada que não pode se olhar no espelho e vira água. não sou. grito e sou capaz de me entender, me perdoar. só que pesa. pesa na cabeça. pesa na alma e quando eu chego em casa tem uma planta me esperando e que grita 'eu estou viva' e eu consigo escutar. não consigo escutar se o joão está vivo, para além do sentido biológico da palavra. já é sábado e só volto a vê-lo, talvez, na terça-feira. ontem tiraram de mim a chance a falta de transporte e a urgência de luta. ontem eu me distraí com a faxina, já que as aranhas não aderem nenhuma greve. hoje eu não desgritei com o joão vitor mas o grito acabou, finalmente.

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