construção


Da janela da minha casa, vejo meu aluno construir uma casa. Domingo foi o primeiro dia de Sol depois de uma sequência de três ou quatro. Ele trabalha e eu escrevo. Eu esqueço. Meu aluno constrói uma casa e eu empilho palitinhos ou plaquinhas de material dourado. Eu faço prédios fininhos como os que eu vejo, da estrada, quando vou pra uma casa. Volto pra outra. Eu preciso da minha companhia. Eu preciso de ônibus. Esses dias peguei 8 num dia. Um foi um erro, a falta de um sul, ter só o norte não me basta. Meu aluno pega o mesmo ônibus. Meu aluno me cumprimenta da construção e pergunta se eu vou pra sala dele naquela noite. Com dinheiro, se constrói um lar? Com quadros e fotos e plantas e pisca pisca. Escrever é guardar momentos e livros são tudos ao mesmo tempo. Até um texto curtinho é, às vezes, alguns tempos diferentes expostos de uma vez. Num sopro, um golpe. É mais fácil responder ao ódio do que ao amor. É mais difícil trabalhar de sete da manhã até cinco da tarde na obra, debaixo de sol. E eu viajo. Eu pego avião. Eu tenho quase vergonha de contar pra ele que não, hoje não passei na frente da construção porque peguei um uber pra ir trabalhar. O privilégio me banha. Só posso devolver isso com trabalho e escrita. Uma moça sem experiência, com cara de nova, tentando fazer o melhor. Uma escrita cambaleante, de transporte. Um pouco feita na rua e outro pouco em sala firme. Repito-me. Até quando posso escrever da viagem? Até que as flores vermelhas daqui me façam esquecer as de lá? Quando eu esquecer o olhar da mulher encravada num vaso de cerâmica - obra de arte cujo nome em inglês é 'runaway' e em húngaro, com vergonha, eu admito que não sei - eu posso parar? Quando as fotos forem reveladas, as lembranças distribuídas e até a ressaca do vinho de lá passado, talvez eu deva parar. Ter na parede uma quantidade de postais cujo preço poderia pagar tantas refeições pra quem mora na rua, no frio, fica mais duro se eu o  escrevo, mas é o único jeito que eu poderia. É difícil me despedir e voltar, logo em seguida, a escolher cebolas na feira. Varrer a casa, lavar a roupa. Contar dinheiro. Como é bom cuidar das plantas, matar a saudade. Enquanto as fisionomias dos meus amores de lá anda estiverem marcadas na minha mente, eu posso escrever sobre a viagem. Mas não se preocupe, amor. Se eu penso neles o dia todo e só de noite penso em você, é de noite que eu sorrio.
Não estamos fazendo reforma aqui, não.

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