carta urgente de amor


Doeu no meu coração não descer no ponto da sua casa. Foi uma decisão que eu ponderei durante todo o caminho. Se, por um lado, meus joelhos pediam arrego, devido aos recentes atos, e meu corpo urgia por um banho - daqueles que só se pode tomar em casa - e eu queria chegar na minha janela sem muita demora, por outro, meus ombros, também cansados, queriam - por algum motivo abstrato - ceder ao seu abraço, relaxar no seu peito, já que as nossas alturas possibilitam essa configuração que considero ideal de corpos. Meu nariz se encontraria em proximidade perigosa do seu pescoço e seu calor acabaria com todos os meus problemas, um por um.
Eu escutava música e cantava. Abri as janelas. Fechei os olhos. O norte da ilha ficava pra trás enquanto eu imaginava a vista afortunada dos bancos construídos de frente pra praia. Pensei no viaduto que eu enfrentaria caso saltasse para te ver, enquanto a noite seguia avançando o tardar. Seria perigoso. Uma mulher sozinha como eu. O Zaratustra, que ia comigo na bolsa, não serviria de nada pra me defender. Zero bateria no celular. Não teria como te avisar. Alegro-me quando você vai ao meu encontro, mas hoje você nem teria com saber. Eu pediria, inocente, ao interfone:
- Posso dormir com você?
Seria uma cena patética. O vento que corria contra a estrada havia descabelado meus cabelos, que já não são muito censurados em situações ordinárias, naquela então... O dia tinha sido cheio. Daqueles em que sobram poucos momentos pra viver. Eu tinha fome. Deixei que o seu ponto passasse por mim pensando na comida que já estava pronta. Guardada em potes, na geladeira. Fiz uma lista mental das canções que tocaram no caminho, pensei em te enviar a playlist com uma pequena introdução bem apaixonada, mas agora imagino que elas não te tocariam tanto quanto uma carta urgente de amor. Desci do ônibus ainda cantando. Aumentei o volume para que eu cessasse de ouvir minha própria voz e deixasse a vergonha pelo caminho. Eu sabia a letra. Minha voz de professora, já rouca no final do dia, cantou, a plenos pulmões, uma declaração de amor ritmada no dois e dois, que um dia eu ainda te ensino a dançar. Antes de abrir a porta de casa, eu já visualizava a minha cama. Ela parecia ainda menor sem você para dividi-la comigo. 

Como que pode isso?

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