Volta ao mundo Pantanal morte

- Eu vou morrer logo.
Foi o que eu respondi pra menina quando ela me perguntou por que eu escrevia. Veja bem, eu até que sou jovem ainda. Se vivi uns dez ou onze amores, foi muito. Isso contando aqueles arrebatadores, aqueles de chorar. Contudo, se variarmos a escala, eu vou morrer daqui a pouco mesmo. Também espero que alguém me mate antes de ler esse texto. Alguém deve ter me falado disso em algum outro ponto de ônibus. Até você, guria, se for ler, esquece a cor do meu cabelo, esquece o meu olhar quando falo dos meus amores e ignora o fato de que viu a capa do meu caderno e a minha caneta roxa. É assim que se lê: matando quem escreve. Mas eu menti pra você. Devo confessar que, na verdade, escrevo porque não tenho talento pra música e nem pra desenho, e essas palavras jogadas consistem na única maneira que encontrei de guardar as minhas paixões. Veja bem, menina, algumas paixões acabam. Acabam e tudo bem. Talvez, se você acredita em universos paralelos, elas não acabem. Ou talvez, se você for muito romântica, mas muito mesmo, elas nunca acabem porque isso simplesmente seria um absurdo. A gente nunca sabe o que vai acontecer, né? Vai que eu morro mesmo antes de passar o próximo volta ao morro. Por isso que eternizo alguns detalhes em palavras. Eu minto o tempo todo, e às vezes é até sem querer. Aquela música não vai sempre me lembrar você. Qualquer música de amor pode me lembrar de qualquer amor. Mas aquela frase que eu escrevi de caneta roxa chorando no ponto de ônibus, ah, ela vai sempre me lembrar você. Eu vou morrer logo, mas você não. Veja bem, até que a gente ainda é jovem, talvez dois ou três amores de diferença. Eu já admiti o meu vício nesse sentimento. No meu funeral, dirão que, de amor, ninguém nunca morreu tanto. Talvez eu mereça isso mesmo. Quem mandou se meter com droga tão pesada? Talvez nós, os viciados, os apaixonados, os sonhadores, mereçamos tal fim. O fim da dose de amor. Pode mandar mais uma, que o meu corpo aguenta. Veja bem, eu até que sou jovem ainda. Se vivi uns doze ou treze amores, foi pouco.
- Mas precisa ser de caneta roxa?

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