Sobre amores pré-moldados

Preciso confessar, sou uma pessimista quanto ao amor. Eu vejo o copo meio vazio. Quando o começo começa, eu já penso no começo do fim. Não botei muita fé em nenhum dos meus romances até hoje. Foram todos pré-datados, tirando o meu caso homossexual com a menina que me encontra todo dia no espelho. Mas não se preocupe, mãe, ela é fantástica, vocês vão se dar super bem. Contudo, meus copos de romances que abrangem mais de uma pessoa ainda estão meio vazios. Duas pessoas, dois corpos, dois umbigos, dois pescoços e quatro olhos. Deparei-me com aquele programa com a Adélia Prado por acaso, mas o meu marido não queria muito assistir comigo. Ela disse que todo poeta é um escritor do cotidiano. Afinal, o que temos além dos nossos sofrimentos e amores diários? Os artistas tratam da perplexidade que é existir. Existir é muito esquisito! Existir a dois, a três, a mundo, é ainda mais. Eu mesma já tenho dificuldade para juntar os meus próprios pedaços depois das explosões, dos tiroteios, das bombas de efeito moral. Já vi um ponto de teletransporte, mas nunca pisei nele. Imagina se eu me desintegro e não volto ao normal? Passou tanto tempo, tantas coisas, tantas pessoas, que eu acho que não volto mesmo ao original. Quem sabe um dia o meu copo já foi meio cheio, mas depois das nossas chacoalhadas, dos meus siricuticos e do último carnaval, ele respingou. Deus sabe onde foi, e sabe se isso é bom. O copo do pessimismo, esse sim eu vejo meio cheio. Há um lado bom, que eu não sei explicar, só sei que mesmo o nosso tragicômico fim não deu conta de estragar aquela música, que dizíamos ser a nossa. Tenho um amor platônico. Um amor idealizado e fora do alcance. Eu quero livre. Quero licença livre, amor livre. De rótulos, de preconceitos e de fins. Quero Adélia Prado. Quero pessoas no lugar dos dementadores, que levam uma a uma as minhas lembranças boas. Quero teatro, mas quero de verdade. Quero um copo cheio pra respingar. Ou foda-se o copo. Adélia Prado disse também que é quase um pecado deixar um texto na sua forma crua, do jeito que vem ao mundo. Mas aqui vai o meu sorriso de mãe na primeira foto com o bebê, logo depois do parto.

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