A causa foi cirrose hepática.

Troque seu coração por um fígado, assim você pode beber mais e sofrer menos. Era isso que diziam. Faziam piadas com o coração, ordinariamente associado ao amor. Isso só faz sofrer. Amar demais faz mal. O amor é uma flor roxa que desabrocha no coração dos trouxas. Me diziam. Gritavam pela minha janela. Pare com isso, menina. Ai se teus pais descobrem. Meus pais, dois viciados. Nunca trocariam os corações. Contudo, ninguém me dizia que eles sofriam. Tantos anos de casados, parabéns! Era isso que diziam. Vai entender...
Quem sabe por conselho deles, quem sabe por excesso de esperança, quem sabe por ingenuidade. Eu bem que avisei pra essa menina parar de ler poesia. Falei pra ela que contos de fadas não existem, mas não adiantou. Disse que aquele menino estava brincando com ela, que o outro era um babaca, e que esse de agora tem um parafuso a menos. Diziam isso uns para os outros, eu escutava. Mas ignorei. E na hora que podia, não troquei. Fiquei com um coração e um fígado, como a natureza tinha me feito.
Mas tive que mudar de ideia quanto a essa decisão. Eram tantas separações, tantos casos, tantas mentiras. O jogador de futebol, casado com a atriz, está tendo um caso com uma dançarina. A contadora já vai pro quinto casamento. O dono do mercado tinha outra família no interior. Além do marido, a loira que mora na casa verde teve um caso com um menino, quinze anos mais jovem! Diziam. Não pude deixar de escutar.
Pois bem, entrei na fila para trocar o coração pelo fígado. Meu caso era considerado urgente. Solteirona volta atrás e acaba optando por mais um fígado. Até os jornais diziam. Ora, solteirona não consegue encontrar amor porque o mundo está uma bagunça, isso sim! Parem de mentir, parem de trair, parem de desistir do amor! Eu gritava. Eu falava para todos, da igreja até o bar. Ah, o bar...
No meu velório, ouvi dizerem. Tá vendo, minha filha, esse diabo de amor mata as pessoas. Que desgosto para a família, sofrer tanto. A culpa foi dos filmes, dos romances, da poesia. Morreu afogada nas próprias lágrimas que caiam contra a sua vontade no final de um filme romântico. Mal conheciam o motivo das minhas lágrimas. Pobre de mim. Morri cedo, morri sem casar. Morri sem poder mais beber. Pior, morri sem fígado. A causa foi cirrose hepática.

Ouvi minha vó dizer, enquanto dormia, o título desse texto. Resolvi escrever, vai que era um sinal.

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