parto um realismo francês

deitada de barriga para cima e com as pernas em posição de diamante eu te gero. seguro os dejetos do meu corpo e sinto falta de outros corpos. penso na cachorra que compartilha a minha jaula. hoje é dia de sentir falta dos amores reais para matar a saudade dos imaginários. são eles que me engravidam. o húngaro ou o moleque do bairro como no sonho da Norma. isso que é imaginar o professor no lugar do aluno. grávida de um menino ruim, muito grávida e de macacão preto. decidimos destinos de seres humanos. desistimos.

eu penso em partituras. eu penso em artes. eu penso na minha escola e na minha ignorância. e eu penso em outros textos abertos em outros alhures. eu tenho muita sorte e é muito bom reconhecer isso. eu penso no meu nome e no frio. minha cabeça quer ficar acordada para te gerar, meu filho. olha que hoje eu nem tomei muito café. mas o tempo de nascer ainda não é agora.

amanhã vamos ver se dá tempo de você viver.

amanhã depois do juízo na reunião do baixo clero. se um momento durante o dia não tiver nada mais urgente de que se ocupar. ou depois, quando o dia dormir. quando eu já estiver relaxada e tiver respirado pela primeira vez. amanhã depois que eu pagar as contas e pensar no próximo mês. eu acho que vai ser a hora.

é intenso viver.

quando estiver tudo pronto, bebê. quando eu passar pelo porteiro debaixo de chuva e ele só rir, eu vou sentir as contrações e quando chego no apartamento já te tenho no colo. depois da chuva, vê se nasce, herdeiro.

quero partir esse texto bendito de mim e por isso esse parto. não visceral e nem obsceno como poderia. apenas mais um bebê gente ensanguentado e chorando. mais um nome para o conselho de classe.

quanto mais se busca o real, mais inútil se torna tentar evitar o impossível.

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