pão, queijo e banana


 você consegue dormir com um barulho desses? perguntei ao meu marido inutilmente, a já saber a resposta. ele me respondeu com um respiro e eu senti o ar enchendo seu corpo e mexendo em seus ossos. pensei na minha avó e no seu relógio de tic tac que eu colocava para fora do quarto para poder dormir. além do trem, eu ainda tinha que escutar o tempo passar? mas na noite em que esse texto começou eu não dormia com minha avó. tampouco dormia com meu marido, mas ao lado dele eu relaxava insone e fazia frases. elas podem me atormentar por um tempo, eu sabia, mas eu não tinha escolha. elas se fizeram, as linhas de palavras. e em algum momento eu sentei e bati meus dedos no teclado.
 a prof diz que escrever quando acorda ou logo antes de dormir é coisa de surrealista mas eu sou terrena demais, muito material. a cama é boa e está tarde e eu quero dormir. o homem ali não escuta essas frases rebatendo pelas paredes do quarto e me deixa brincar com o perigo enquanto lhe faço carinho com meus dedos gelados. mas não quero que acorde. ali eu não quero escrever. ali eu só quero me inspirar. ali eu até posso deixar pronta uma frase ou outra mas ali não é momento de fazer costura.
 volta a minha avó. volta outra avó. voltam tantas. volta uma mãe. embarquemos, amores. embarquemos pra longe dessa polícia. agarraram a minha filha pelo braço mas eu puxei mais forte. ela vai comigo. vai comigo se encantar no mercado atacadista e fazer o barulho do sinal virar só lembrança ruim e não mais o toque de recolher. recolher tudo. juntar dinheiro pra dois meses de aluguel e poder ser feliz por subir um pouquinho a pirâmide dos explorados.
  há flores, que estavam em botão quando eu saí. agora que voltei, desabrocharam. o mundo não cessa de girar nem um instantinho e eu não paro de morrer. é bonito, não é triste.

vinagre, trigo e arroz. dólares de outro país.

eu quero escrever um amor que bote inveja nos coitados que não têm, mas não em mim.

Comentários

Postagens mais visitadas