Um aluno meu morreu de morte matada.

Hoje eu vou escrever sobre vida e morte e tudo o que tem no meio porque é só disso que eu sei escrever. Liguei a máquina, comecei a música. Pensei na comida que posso fazer, mas não tenho fome. Nem quero beber, não agora. Demorei demais para perceber que queria escrever, mas depois que comecei, sinto as veias pulando em minhas mãos quase que desacostumadas com o ato. Não é escrever, é digitar. Mais rápido, mais fácil de mudar caso eu queira. Não como a vida ou a morte ou tudo o que tem no meio disso. Um aluno meu morreu de morte matada. Auto-infligida. Mandaram no grupo o nome e a foto e o número da turma e eu só reconheci pelo número. Eu sei que dou aula pra aquele número, não pra ele. Passou por mim tão rápido quanto se foi. Agora não vale a pena olhar listas de presença. Ele não vem mais. Os amigos me contaram que a gola da camisa social estava bem alta no seu corpo morto. Escondendo a marca da corda que tirou sua vida. Foi achado pelo irmão. Tanta juventude, tanta vida ainda pra viver e tanta coisa que tem entre ela e a morte. Pra ele, teve pouco tempo mas quanta coisa deve ter passado por aquela cabeça. Imagina eu com 17 anos, ou 18 ou 19 ou sei lá quantos anos ele tinha. Eu não o conhecia, já disse. O pior é pensar isso, que eu nem sabia de sua existência o suficiente para dizer que me fará falta. Minto. É uma prova a menos pra corrigir. Não vai fazer tanta diferença. Que horror. Que banalidade virou essa vida e essa morte e isso tudo que tem no meio. Eles fingem que me entendem e eu finjo que os entendo. Trabalho, contas, notas, almoços. E eu escrevo isso porque é isso que habita a minha cabeça agora. Escrevo porque não preciso fazer declaração de imposto de renda e só tem uma turma que falta eu corrigir trabalhos. Ainda tenho números a anotar e tanta coisa pra fazer nesse computador... Mas agora escrevo pois é isso que me resta. O aluno que eu nem conhecia, mal vi vivo e muito menos morto, imaginem, pegou o mesmo ônibus que eu peguei pra voltar pra casa depois de encontrar a sua turma. Eu não dei atenção no começo, me distraia com outra sorte de notícias ruins que me chegam numa linha do tempo bizarra em que ele não aparece. Quando me dei conta de que era ele que estava na minha cabeça, eu não chorei, mas quase. Eu vou poder conhecê-lo se eu chorar por ele?

29/04/2019 - Primeiro carrossel de professora Helena.

Comentários

  1. O mundo a nossa volta é muito grande, são tantos detalhes. O importante é fazer bom uso do que conseguirmos captar. E você tem feito! Parabéns!

    ResponderExcluir

Postar um comentário

Postagens mais visitadas