tem só um pouquinho de vinho na geladeira mas ainda tem


eu gosto de frases e as uso mesmo quando não são mais verdades. é assim com todo mundo que escreve. no presente, no passado, no futuro. do ponto de vista concreto, acabei de comprar mais vinho. é o próximo, ainda tem um aberto na geladeira, mas hoje que eu fui no mercado e não quis perder a viagem. fiquei com vontade das batatas doces e de comer aquela receita da minha vó com molho sugo mas hoje eu quero gastar o aberto e por isso convém fazer outra receita. meu cardápio condicionado ao que tem no mercado, ao que tem no bolso, ao que tem no céu. as nuvem passaram pela luz redonda e hoje ela está bem redonda e brilha com uma força sedutora e licantrôpica  [eu escreveria lobisômica (por querer uma proparoxítona) mas teimei até encontrar uma palavra mais feminina]. atrás dela - o que diriam os ideólogos de gênero? - o azul dava lugar ao rosa mas a minha mente, repintando a tela, não os mistura. como se fossem pinceladas de uma cor sobre a outra ocupando, cada uma, o seu espaço delimitado pelo instrumento %pincéu. ou como um quebra-cabeça, só que em vez de um monte de peças com praticamente a mesma cor, vai uma peça de um azul-bebê ao lado de uma rosa tão rosa quanto fica a cidade-luz enquanto ainda não anoitece. isso antes de ir para o roxo. foi aí (eu acho) que travou-se no destino que hoje eu iria escrever. é claro que não foi, mas a frase foi essa. quem encontrar o texto pronto vai saber pouco dos seus tempos. a não ser que eu escreva je l'ai écrit d'un coup e mesmo ainda não sabemos se será realmente travado. eu minto. eu volto. o meu corpo grita por comida e descanso e frio e dança. esta página da agenda já se encheu tanto de coisas feitas como de recomendações para o dia que ainda existe, mas a urgência maior de hoje é escrever. é o descarrego, o vômito. como é bom ser terça-feira e eu não estar de piriri como estava na semana passada. eu sou vista de dentro como uma mulher histérica no sentido de que goza e não apenas, fantasia. ai que vontade de ser e de escrever mas eu só consigo escrever sobre escrever e não escrevo sobre a coisa. o escrito. como é duro ser mulher e ser agora e não poder ser rimbaud afogado num gole de absinto. ou poder. mas e os alunos? e os filhos? e o marido? quem sou eu pra ser amada além das plantas, às quais devoto todo o meu luto quando precisam ir. hoje eu precisava escrever e não podia ser que nem louise. precisava ser como eu. e se amanhã eu não gostar eu desfaço e me retrato [como se fosse presidente]. o título estava pronto. foram feitas adaptações.

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