Bolinho de chuva

  Ela disse que me amava ao terceiro dia e eu, obviamente, duvidei. Mas ela me amava de verdade. Amava o máximo que ela podia naquela quarta-feira cinzenta. E sem a menor compaixão, ela ainda me disse que era melhor eu fazer alguma coisa até o dia seguinte, porque na sexta-feira ela era da Lua. Não entendi bem o que ela quis dizer, mas achei melhor tomar atitude. Entretanto, calculei mal o tempo que levaria para ela escolher a bebida, depois o tempo da bebida chegar, e o tempo da minha recuperação de fôlego depois das risadas dela. Já era meia noite e oito quando eu tasquei um beijo naquela moça. Ela vai dizer que foi ela que me beijou, se você a perguntar, o que pode ser bem verdade, mas pra mim a relação de beijar é simétrica então tanto faz. Ainda assim, ela me rotulou como um "homem de sexta-feira". Ela dizia que era fácil ser esse tipo de homem, comparado com os homens de terça ou de quarta, mas que ainda era melhor do que ser um homem de sábado ou de domingo. Eu dizia que ela deveria parar de rotular as pessoas ela dizia que fazia isso porque era virginiana. Ou leonina. Sei lá. E dizia que era brincadeira, mas tinha um fundinho de verdade, sim. Ser homem de sexta-feira tinha lá as suas vantagens, mas as sextas ao lado dela seriam divertidas de qualquer jeito. Eram as terças que pegavam a gente. Foi numa terça que a gente chegou atrasado nem lembro aonde, porque ela foi jogar o que tinha cortado das unhas no quintal, antes de sair. Seu primeiro marido ria feito louco quando ela saía para, nas palavras dele, plantar unha. Ela dizia que podia fazer um pedido pra cada. Eu dizia que superstição era besteira e ela dizia que, de qualquer jeito, não se deveria perder uma oportunidade de fazer pedidos. Fazia pedidos com cílios também. Inventou que podia fazer pedido quando via o horário e as horas estavam iguais aos minutos. Ou quando via no número um palíndromo. O mesmo valia para placas de carros. E fazia pedido também quando via fusca azul. Nesses, geralmente, ela só pensava em pedir justamente aquele modelo de carro da cor do céu, porque não era criativa o suficiente com pedidos. Não gostava de pedir amor porque adorava mesmo era conquistar. Pedia felicidade e dinheiro de vez em quando. Um dia sem chuva, no terceiro mês do ano, para ela poder lavar roupa e não precisar cantar que é pau, é pedra, é o fim do caminho. Mas quando chovia, ela gostava também, pois refrescava e ela podia ver as crianças correndo para as suas casas pra comer bolinho de chuva. Ah, era isso que ela deveria ter pedido. Ela disse que me amava ao terceiro bolinho de chuva que eu comi na casa da vó dela. Eram três e cinquenta e um da tarde.
  Eu só pedi pra que fosse verdade.

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